Há um longo caminho a ser percorrido no Senado para se assegurar o justo tratamento diferenciado à saúde brasileira

FONTE: JOTA

  • reforma tributária, que se convencionou a denominar tributação do consumo, em seu formato atual, vem sendo debatida desde 2019, tendo ganho maior destaque nas PECs 45 e 110. Desde o início das discussões, o setor de saúde vem atuando fortemente junto ao governo federal e ao Congresso Nacional com vistas a demonstrar a sua essencialidade para a população brasileira, o que ficou mais evidenciado ao longo da pandemia da Covid-19, e o quanto a reforma proposta poderia aumentar a carga tributária do setor, prejudicando a qualidade da assistência e, até mesmo, resultando em diminuição da oferta de serviços, especialmente fora dos grandes centros. Motivo pelo qual merece um cuidado especial nesta discussão.
  • A se adotar a alíquota base de 25% no novo modelo de tributação do consumo, indicada nos estudos que fundamentaram a PEC 45, estimativas de especialistas indicam que a carga tributária do setor de saúde – relativa à
  • tributos sobre consumo (ISS+PIS/Cofins e IBS ou CBS+IBS) – aumentaria em cerca de 150%.
  • Haveria então duas possibilidades, igualmente desastrosas: o repasse desse aumento de custo ao preço dos serviços e planos de saúde, com os quais a população já enfrenta dificuldades para arcar, ou a absorção pelos prestadores e operadoras de planos, o que levaria ao fechamento de estabelecimentos, à redução da oferta, comprometendo o atendimento à população. Ainda, a migração de usuários para o SUS, onerando ainda mais o sistema e os cofres públicos.
  • O árduo trabalho desempenhado pelas entidades representativas do setor da saúde terminou por sensibilizar deputados e senadores e, mais recentemente, até o governo federal, que compreenderam e acolheram a necessidade de que a reforma outorgasse tratamento diferenciado à saúde, na esteira do que já faz a esmagadora parcela dos países integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que adotam modelo de tributação de consumo semelhante ao que se pretende instituir no Brasil. Tal reconhecimento é uma vitória de toda sociedade brasileira, mas ainda há muito a ser feito, a fim de que o tratamento diferenciado não constitua algo simbólico, “para inglês ver”, no dito popular.
  • texto aprovado pela Câmara dos Deputados, e agora em tramitação no
  • Senado, indica que o tratamento diferenciado ao setor consistirá em uma alíquota 60% inferior à alíquota base da CBS+IBS. Medicamentos e dispositivos médicos poderão ter uma redução de 100%.
  • O reconhecimento da necessidade de tratamento diferenciado consistiu num avanço em relação ao que o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) fez constar no relatório apresentado na então Comissão Mista da Reforma Tributária, em maio de 2021. Em tal oportunidade, não houve indicação mínima a respeito de como se daria o tratamento diferenciado, que ainda tinha a sua vigência limitada a 12 anos.
  • Em que pese o avanço mencionado, para além da alíquota reduzida prevista no texto aprovado pela Câmara, outras reflexões mostram-se necessárias, a fim de que o tratamento diferenciado não seja desidratado na cobrança da CBS+IBS do tomador final de serviços de saúde. Longe de terem caráter taxativo, os apontamentos que faremos adiante constituem somente algumas contribuições que entendemos que podem aprimorar o texto da reforma tributária para o setor da saúde.
  • Primeiramente, deve ser assegurada a manutenção dos créditos nas aquisições de bens e serviços tributados em patamar superior aos serviços de saúde, sob pena de haver resíduo tributário e a carga acabar sendo superior à alíquota incidente sobre as receitas oriundas da prestação dos serviços.
  • Talvez consigamos nos fazer mais claros ilustrando o tema de forma prática. Imaginemos aquisições que sejam tributadas à alíquota base, como serviços de vigilância, limpeza, assessoria e consultoria. Imaginemos, ainda, que a alíquota diferenciada para a saúde seja de 10% e a base, de 25%, e que as receitas dos prestadores de serviços seja de R$ 100 e o custo com aquisições sujeitas ao regramento geral, e que deem direito a crédito de CBS+IBS, seja de R$ 20.
  • Em tal situação, a carga tributária de CBS+IBS para o setor não seria de 10%, mas 13%, reduzindo o impacto do tratamento diferenciado para o usuário dos serviços. Ainda que seja assegurada a manutenção do saldo credor de R$ 13 ao prestador, que deixaria de constituir resíduo tributário, é fundamental que se assegure a sua restituição em prazo exíguo, caso o prestador de serviços não consiga aproveitá-lo em sua apuração, sob pena de o penalizar com a necessidade de antecipação de recursos financeiros, muitas vezes escassos ou até inexistentes, nas aquisições.
  • Um outro ponto que chama muito a atenção diz respeito ao Simples Nacional. É indicada no relatório a importância de se manter essa sistemática – a bem da verdade, um imperativo constitucional (art. 146, 3°, “d”, da Constituição) -, facultando-se ao contribuinte adotar o regime ordinário de CBS+IBS (alíquota base, não cumulatividade etc.) ou manter-se na sistemática de recolhimento unificado, como se dá atualmente, podendo os seus clientes em pessoa jurídica tomar os créditos correspondentes.
  • Sucede que, na sistemática de recolhimento unificado, que deverá continuar sendo largamente adotada, a parcela de CBS+IBS, que gerará créditos ao serviço de saúde, deverá ser significativamente inferior ao quanto seria verificado caso o fornecedor opte pelo recolhimento ordinário, o que terminará por acarretar desestímulo à contratação de empresas no Simples ou, tão ruim quanto, forçar os fornecedores a adotarem o regime ordinário de CBS+IBS, impondo-lhes elevado aumento de carga tributária.
  • Nesta última situação, ainda que o fornecedor no Simples consiga acordar com o cliente o repasse da carga tributária, preservando os seus preços, terá que antecipar recursos financeiros com o recolhimento de CBS+IBS, o que poderá representar pesado sacrifício para aquele.
  • Essa questão do Simples Nacional já foi enfrentada no passado, por ocasião da edição da Lei Complementar 123/06, em relação ao PIS/Cofins, quando o cliente estivesse sujeito ao regime não cumulativo destas contribuições. A interpretação inicial da Receita Federal era de que as aquisições de empresas optantes não dariam direito a crédito de PIS/Cofins, logo afastada por meio do Ato Declaratório Interpretativo 15/07, editado por ordem do então ministro da Fazenda, Guido Mantega. Os motivos indicados à época para a edição do Ato Declaratório eram na mesma linha da qual registramos acima, isto é, de não se desestimular a contratação de empresas optantes do Simples, que constitui o meio de subsistência de milhões de brasileiros e brasileiras e são importantes para a economia nacional.
  • Adicionalmente, com vistas a se assegurar que realmente não haja aumento de carga tributária sobre os serviços de saúde, dado que se desconhece quais serão as alíquotas padrão da CBS e do IBS, seria interessante que a redação do texto constitucional não cravasse um percentual de redução destas, mas sim, um montante mínimo de redução, possibilitando ajustá-lo em função do quanto venha a ser a alíquota base, ao menos a de referência a ser prevista oportunamente em resolução do Senado.
  • O setor da saúde e a população brasileira conseguiram um grande avanço no texto da reforma tributária aprovado pela Câmara dos Deputados, mas ainda não é tempo de celebração. Há um longo caminho a ser percorrido para se assegurar o mais do que justo tratamento tributário diferenciado à saúde brasileira, que tanto contribui com a economia nacional.
  • RENATO NUNES – Advogado. Doutor em Direito Tributário pela PUC-SP. Professor universitário
  • CAROLINE RANZANI – Advogada (USP), internacionalista (PUC-SP), mestre em Administração Pública (FGV). Atua na área de relações institucionais no setor de saúde há mais de 20 anos
Categorias: SINFACOPE

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