FONTE: EXAME ECONOMIA 

Quando falamos em economia circular, tratamos de um modelo econômico emergente e inteligente, que compreende muito melhor e a relação entre os capitais

Por Instituto Millenium

economia circular

 (Jorg Greuel/Getty Images)

Por Marcelo Souza

Muito provavelmente você já se deparou com a situação chata de ter um equipamento eletroeletrônico e ser forçado a deixar de usá-lo, motivado por uma pequena quebra. Sem forçar muito a memória, posso citar duas ocasiões recentes que aconteceram comigo e, mesmo eu, sendo um estudioso, escritor, praticante e empreendedor da economia circular, ter empenhado muito esforço, fui forçado a me render ao sistema da economia linear, extração, industrialização, comercialização e descarte. Infelizmente, esse modelo de economia, a que estamos habituados e completamente cativos, enxerga a prosperidade em o quanto mais rápido for esse ciclo.

As duas ocasiões que me refiro são bastante similares, ou seja, pequenas quebras, que impedem o uso, também conhecidas como obsolescência programada. A primeira, que aconteceu 18 meses atrás, trata-se da quebra dos dentes do pente do meu barbeador, logo, a impossibilidade de utilizá-lo, mesmo que todo o equipamento, e convenhamos, todo mesmo (motor, mecanismo, etc) estivesse intacto. Apesar de todos os meus esforços, como tentar encontrar essa peça, que inclusive é uma parte móvel, nos mais diversos canais e e-commerce, enviei vários e-mails para o fabricante nacional, muito conhecido por sinal, não tive resposta.

A segunda ocasião foi com meu notebook, também de uma marca muito conhecida, que apresentou falha na tecla do “enter”. Imagine, o que se pode fazer com um notebook sem essa tecla? A jornada para tentar reparar meu equipamento foi intensa. Tentamos todos os canais possíveis e apesar de ser um produto novo, já com processador I7, como disse, de uma marca muito conhecida, não conseguimos repará-lo. Encontramos diversos botões, mas cada um com um sistema de encaixe diferente, mesmo falando do mesmo modelo. Para salvar o equipamento, decidi pela substituição de todo o teclado. Apesar de ser um absurdo, trocar exatas 84 teclas motivado por apenas penas 1, aparentemente era a única opção. Então, nos deparamos com a simples falta do teclado no mercado de reposição e sem previsão de abastecimento. Desculpa: o Covid-19.

Sabemos que a pandemia impactou fortemente a cadeia de suprimentos mundiais, mas me questiono se no momento que estamos vivendo (setembro de 2021), essa situação já não vive o forte processo de normalização, principalmente por estar localizado na maior capital do país.

Situações como essa não são novas ou de minha exclusividade. É fácil acreditar que se você não viveu algo similar ou até idêntico, uma vez que esses componentes são feitos em escala, pelo menos conhece alguém que teve uma situação parecida e isso, sem falar das vezes que o conserto de uma pequena parte fica mais caro que a compra de um produto novo.

Quando falamos em economia circular, tratamos de um modelo econômico emergente e inteligente, que compreende muito melhor e a relação entre os capitais humano, industrial, financeiro e natural. A resultante entre esses quatros capitais é a base para uma economia sustentável. A circularidade vem se apresentando como base sólida para ótimos modelos de negócios, como por exemplo as icônicas Uber e Arbnb, pois em seus conceitos existem diversas estratégias que mitigam situações como as que vivi.

Dentro de um modelo linear, a obsolescência programada e, mais recentemente, a obsolescência tecnológica, é muito forte. Por isso, a mudança de modelos e variações de peças é muito fomentado. Dessa maneira, como vetor resultante, vemos frequentemente, casos como o que apresentei anteriormente. Na Economia Circular isso é resolvido com padronização de componente.

Olhando atentamente para situações como essas, inicia-se a discussão sobre o direito ao reparo, assunto que começou a ganhar os palcos desde 2019, quando A União Europeia, com 395 votos a favor, 94 contra e 207 abstenções, aprovou novas regras que visam tornar os eletrodomésticos mais duráveis.

A lei prevê que os fabricantes deverão obedecer ao chamado “direito ao reparo”, que consiste em o fabricante implementar em seus produtos etiquetas mandatórias que deverão incluir informações sobre o tempo de vida útil estimado do produto e um índice de reparabilidade, além de oferecerem peças sobressalentes por 10 anos após a venda, que não exijam ferramentas especiais para instalação e estar disponível para profissionais independentes. Essa é a primeira vez na história que medidas incluem um aumento de durabilidade, requisitos de reciclabilidade, reutilização, reciclagem e eficiência energética, ou seja, aponta totalmente para a Economia Circular.

Já foi dado a largada e a França deu o primeiro passo em direção à nova diretriz da União Europeia, aprovando o projeto de lei que prevê que a taxa de reparabilidade dos eletroeletrônicos aumente em 60%. Desde janeiro deste ano a nova legislação está em vigor e se estrutura em 5 pilares: Facilidade de conserto; Preços de peças de reposição; Disponibilidade de peças; Disponibilidade de documentação de apoio para conserto; e Medida final que varia conforme o tipo de dispositivo.

A partir de 2024, o projeto ainda prevê um índice de durabilidade: “Queremos limitar o consumo do Capital Natural do mundo”. É o que disse a deputada relatora da legislação, Véronique Ritton.

Na Alemanha, alguns congressistas atuam para estender a vida útil dos smartphones, alongando o período de garantia e de reparo, O plano prevê que as peças para o reparo sejam de fácil acesso, com prazo máximo de obtenção de cinco dias úteis e por preços justos.

O Ministério da Economia da Alemanha, por intermédio de um porta-voz, explica que o objetivo é “aumentar a confiabilidade e a reparabilidade dos dispositivos”. A ideia é resolver dois problemas: a obsolescência programada, um transtorno caro para o consumidor; e o uso desenfreado do Capital Natural causado pela produção e descarte excessivos, centro da estratégia da economia linear.

Como visto, já começamos os primeiros passos para um mundo mais circular. Com essas novas regras e implementações, esperara-se que os fabricantes apliquem esforços em produtos mais circulares. E, apesar de muitos ainda resistirem, uma pesquisa realizada em 2014 aponta que 77% das pessoas preferem consertar seu eletrônico, ao invés de trocá-lo. Além desse número, 79% dos consumidores defendem que os fabricantes sejam obrigados por lei a facilitar a reparabilidade. Esses dados se encontram no relatório intitulado “Atitudes dos Europeus em Relação à Gestão de Resíduos e Eficiência de Recursos”.

Implementar a economia circular, a cada dia que passa, se torna mais estratégico para as organizações e quem usufruir desse novo e correto modelo econômico, certamente colhera ótimos frutos.

Marcelo Souza é CEO da Indústria Fox

Categorias: SINFACOPE

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