FONTE: CONTÁBEIS
O Supremo Tribunal Federal decidiu sobre a constitucionalidade do trabalho intermitente. Entenda as implicações da decisão e os riscos para as empresas.
Terminou no último dia 13/12 o prazo final para o julgamento pelo STF da constitucionalidade ou não do contrato de trabalho intermitente. Por maioria dos Ministros da Corte, o contrato de trabalho intermitente, instituído pela reforma trabalhista de 2017 (Lei nº 13.467/2017), é totalmente constitucional.
A medida parece, inicialmente, representar um alívio para as empresas, que terão aparentemente mais segurança jurídica para firmarem contratos de trabalho intermitente. Porém, analisando atentamente os votos dos Ministros, a posição de Suas Excelências poderá trazer insegurança jurídica aos empregadores.
Regras atualmente em vigor
No contrato de trabalho intermitente, o trabalhador recebe por hora ou por dia trabalhado. Tem férias, acrescidas de um terço, FGTS, décimo terceiro salário de forma proporcional ao período trabalhado e o valor da hora de trabalho não poderá ser inferior ao salário horário. Só não tem direito ao seguro-desemprego. O trabalhador também tem todos os direitos previstos no sistema de previdência social concedidos aos demais trabalhadores.
O empregado deve ser convocado ao trabalho com, no mínimo, três dias corridos de antecedência. O trabalhador tem um dia útil para responder ao chamado. Se não houver manifestação, o entendimento é de que houve uma recusa.
As regras para o horário para almoço e descanso para o trabalhador com contrato de trabalho intermitente são as mesmas que as vigentes para os demais contratos:
• Sempre que o colaborador trabalhar acima de seis horas, terá direito a parar de uma a duas horas para refeição ou repouso;
• Se previsto em negociação coletiva, esse período poderá ser reduzido para 30 minutos;
• Em situações nas quais a jornada de trabalho fica entre quatro e seis horas, o tempo de parada será de 15 minutos;
• Quando a jornada for menor de quatro horas, essa pausa não precisará ser feita.
Em relação às horas extras, devem ser aplicadas as mesmas regras previstas na CLT ou na convenção ou acordo coletivo de trabalho, se houver. Havendo tempo excedente à duração da jornada definida no contrato, estas horas adicionais trabalhadas devem ser remuneradas como horas extras, devendo ficar limitada a 8 horas diárias ou 44 horas semanais.
No período de inatividade, o trabalhador pode prestar serviços a outras empresas.
Todas estas particularidades constam do Art. 452-A da CLT, acrescentado pela Lei nº 13.467/2017 (reforma trabalhista de 2017), conforme segue:
“Art. 452-A. O contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário-mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não.
§ 1º O empregador convocará, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência.
§ 2º Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa.
§ 3º A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente.
§ 4 º Aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, permitida a compensação em igual prazo.
§ 5 º O período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador, podendo o trabalhador prestar serviços a outros contratantes.
§ 6 º Ao final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá o pagamento imediato das seguintes parcelas:
I – remuneração;
II – férias proporcionais com acréscimo de um terço;
III – décimo terceiro salário proporcional;
IV – repouso semanal remunerado; e
V – adicionais legais.
§ 7 º O recibo de pagamento deverá conter a discriminação dos valores pagos relativos a cada uma das parcelas referidas no § 6º deste artigo.
§ 8 º O empregador efetuará o recolhimento da contribuição previdenciária e o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, na forma da lei, com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações.
§ 9 º A cada doze meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador.”
Nesta modalidade, o trabalhador recebe mensalmente no seu holerite, além do salário pelas horas ou dias trabalhados, todas as verbas constitucionais garantidas na relação de emprego, tais como férias proporcionais com o acréscimo de 1/3, 13º salário proporcional, repouso semanal remunerado e outros adicionais legais.
Trata-se de um contrato muito mais aplicável ao trabalho sazonal (atividades de turismo, de apresentação de espetáculos e eventos, entre outras) ou ao tipo de serviços que requeira mais flexibilidade (entregadores, manobristas de estacionamento que funcionam em eventos específicos, faxineiras e tantos outros atualmente informais) em relação ao contrato de trabalho convencional.
Também é interessante para bares e restaurantes: um garçom pode ser contratado de forma intermitente para cobrir períodos de maior movimento como fins de semana, férias ou eventos especiais. Outro exemplo é o comércio varejista, para atendimento às vendas e/ou como agentes de segurança, em períodos de alto fluxo comercial, como nos finais de ano.
O instituto representa uma proteção social em relação aos trabalhadores informais ou prestadores de serviços em caráter eventual, que trabalham igualmente, mas sem nenhum tipo de contrato.
Atenção aos seguintes pontos
O contrato de trabalho intermitente pressupõe a subordinação e, portanto, vínculo de emprego (§ 3º do Art. 452-A da CLT), sendo que o período de inatividade do contrato não é caracterizado tempo à disposição do empregador (§ 5º do Art. 452-A da CLT), situação em que o empregado pode prestar serviços normalmente a outros contratantes.
Caso a empresa, sem justo motivo, não cumpra integralmente todas condições e elementos previstas para o trabalho intermitente, ficará sujeita à multa de 50% da remuneração que seria devida, a ser paga dentro de 30 dias, permitida a compensação por igual prazo (§ 4º do Art. 452-A da CLT). Dando o empregador causa ao descumprimento, deverá ser paga a multa em favor do empregado. Mas, se o descumprimento for causado pelo empregado, este compensará no prazo de 30 dias com trabalho a ser prestado.
Quanto ao gozo de férias, o empregado terá o mesmo direito que os demais trabalhadores com contrato tradicional de trabalho a cada 12 meses, podendo usufruir de um mês de férias nos 12 meses subsequentes. É importante lembrar que neste momento, o trabalhador não receberá o adiantamento de férias, porquanto já recebera mensalmente de forma proporcional destacado nos contracheques.
Por último, o contrato de trabalho intermitente deve respeitar a isonomia salarial. Assim, o valor da hora ou dia de trabalho não poderá ser inferior àquele devido aos demais trabalhadores do estabelecimento que exerçam a mesma função prevista em contrato intermitente ou não.
Constitucionalidade do trabalho intermitente pelo STF
Inicialmente é preciso registrar que a diferença relevante entre o contrato de trabalho tradicional e de trabalho intermitente é que este último apresenta alternância de períodos de trabalho e de inatividade e não apenas uma faculdade unilateral do empregador de convocar ou não o empregado contratado. Este ponto é importante e deve ser atendido pelas empresas para reduzir os riscos trabalhistas e/ou figurar como elemento de defesa em futuras contendas no judiciário.
Mesmo assim, votando pela constitucionalidade do contrato de trabalho intermitente, há várias divergências de entendimento entre os Ministros da Suprema Corte, que devem ser consideradas para eventuais ajustes pelos empregadores que fazem uso desta modalidade de contratação. Merecem destaques, pela natureza das divergências, as posições dos Ministros Nunes Marques, Cristiano Zanin e Luiz Fux.
É importante a compreensão dos pontos divergentes, para que as empresas possam bem administrar os riscos trabalhistas inerentes. O primeiro risco a ser mitigado é o integral cumprimento do Art. 452-A da CLT, detalhado acima.
Para atenuação do risco de interpretação pelo judiciário deste tipo de contrato de trabalho, torna-se necessária a correta compreensão do pensamento dos Ministros em seus votos, pois poderão ser utilizados pela justiça trabalhista de primeiro grau, em futuras reclamatórias.
Para o Ministro Nunes Marques, “o trabalho intermitente se apresenta como um instrumento jurídico válido a fim de abrir novas possibilidades ao trabalhador e possui o escopo de proteção social a uma parcela de trabalhadores informais.”. Finaliza o seu voto, pontuando que “não se pode esquecer que esse modelo contratual contribui para a redução do desemprego, presentes a modernização e a flexibilização das relações trabalhistas, ao permitir às empresas a contratação conforme o fluxo de demanda e aos obreiros a elaboração das próprias jornadas, tendo condições de negociar serviços mais vantajosos.”.
Neste aspecto, podemos admitir que para o Ministro Marques o contrato de trabalho intermitente é inteiramente constitucional, sem restrições.
Já a posição do Ministro Cristiano Zanin foi no sentido diametralmente oposto ao voto de Nunes Marques, mas também firmou entendimento pela constitucionalidade do tipo de contrato laboral.
O núcleo do seu voto é “para reconhecer que será considerado rescindido de pleno direito o contrato de trabalho intermitente caso decorrido um ano sem qualquer convocação do empregado pelo empregador, contado a partir da celebração do contrato, da última convocação ou do último dia de prestação de serviços, o que for mais recente, sem prejuízo da eventual responsabilidade civil do empregador no caso de ausência de justificação da não convocação, a ser apurada nas vias próprias.”
Para o Ministro, “…, o que caracteriza o contrato de trabalho intermitente é a alternância de períodos de trabalho e de inatividade, e não a faculdade unilateral de o empregador convocar, ou não, o empregado contratado.” (negritamos). Para ele deve haver responsabilização do empregador, caso o trabalhador não seja convocado para o trabalho dentro do prazo de um ano e a empresa não informe o empregado sobre as perspectivas de contratação.
O seu pensamento é muito claro, e, por isso mesmo, traz incertezas aos empregadores, pois assim se expressa:
“… parece-me razoável que, findo o prazo de um ano sem que o empregador convoque o trabalhador, haja a rescisão do contrato intermitente de trabalho. Ademais, durante esse interregno, caso o empregador deixe de informar ao empregado acerca das perspectivas da convocação para a prestação de serviço, entendo cabível a eventual responsabilização civil do empregador, a ser apurada nas vias próprias.”. (negritamos).
Ora, temos aqui uma insegurança jurídica importante a ser considerada pelas empresas que optem por este tipo de contrato de trabalho. Primeiramente, não há nenhuma pista no voto do Ministro sobre o seu entendimento do que deve ou não ser aceito como informação a ser prestada pela empresa ao empregado sobre as perspectivas de convocação do trabalhador para a prestação de serviços. Também nos causa apreensão a manifestação de Sua Excelência sobre a responsabilização civil do empregador, a ser apurada pelas vias próprias, quando o este deixar de informar ao empregado as perspectivas de prestação de serviços. Aqui caberá à empresa criar mecanismos de monitoramento, a fim de que o empregado de trabalho intermitente seja sistematicamente informado sobre as perspectivas de chamamento para a prestação de serviços.
Numa posição intermediária, temos o voto do Ministro Luiz Fux ao sustentar que o contrato de trabalho intermitente não garante o respeito mínimo aos direitos sociais assegurados pela CF/88, votando então pela procedência parcial de inconstitucionalidade e declarando a existência de omissão inconstitucional no regramento do contrato de trabalho intermitente. Estabeleceu em seu voto o prazo de dezoito meses para que o Congresso Nacional venha a sanar tal omissão.
É interessante destacar do voto deste Ministro a afirmação de que “… Não há previsão de prazo máximo de inatividade que enseje a automática rescisão contratual pelo empregador”. (negritamos). Para o Ministro, isso facilita a empresa se furtar dos deveres de eventual rescisão contratual, bastando manter o contrato de trabalho ativo, mas não convocar o trabalhador para qualquer tipo de trabalho. Daí, ser importante que as empresas criem mecanismos claros de comunicação com os trabalhadores de contrato intermitente, justamente para não lhe ser imputada, numa eventual reclamação trabalhista, a rescisão contratual abusiva, só por não ter convocado o trabalhador para qualquer tipo de serviço.
Conclusão
Em suma, é um ganho para toda a economia brasileira, a posição final da Suprema Corte de constitucionalidade do contrato de trabalho intermitente. Como não foram uma unanimidade as decisões de cada Ministro, o pensamento esboçado em seus votos passa a ser subsídio relevante para decisões judiciais, principalmente as de primeiro grau, sobre eventuais contestações da relação de emprego intermitente.
Este risco exige que os empregadores redobrem a atenção, a fim de garantir o fiel cumprimento de todos os requisitos para o contrato de trabalho intermitente, além da adoção preventiva de um exímio cuidado de comunicação entre a empresa e seus trabalhadores com contratos intermitentes de trabalho.
Publicado porJOSÉ HOMERO ADABO
Contador pela PUC-Campinas (1989) e Mestre em Ciências Sociais pela Escola de Sociologia e Política de S. Paulo – Inst Complementar da USP (1980). Técnico em Contabilidade (1970), Especialista em Direito Tributário pela Escola de Direito de S. Paulo – FGV/SP (2020). Professor de Contabilidade e Economia da PUC-Campinas (1975-2009). É sócio fundador de Escritório Taquaral Contabilidade, em Campinas – SP. (1986). Conselheiro Efetivo do CRC/SP (2002-2005) e atual Vice-Presidente Administrativo do Sescon Campinas.
0 comentário