Até o momento três ministros votaram, cada um com uma tese diferente. Entenda
- CRISTIANE BONFANTI / FONTE: JOTA
BRASÍLIA
O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), apresentou voto divergente nesta segunda-feira (7/11) e propôs que a lei complementar que regulamenta a cobrança do diferencial de alíquota (Difal) de ICMS deve respeitar tanto a anterioridade nonagesimal quanto a anual. O voto foi proferido nas ADIs 7.066, 7.070 e 7.078.
A controvérsia diz respeito à Lei Complementar 190/22. Como ela foi publicada em 5 de janeiro de 2022, na prática, caso a posição de Fachin prevaleça, os estados e o Distrito Federal poderão cobrar o Difal de ICMS apenas a partir de 2023. Além disso, no caso de unidades federativas que iniciaram a cobrança antes, os contribuintes poderão pedir a restituição de valores recolhidos indevidamente.
Até agora, foram apresentados três votos nas ADIs. O relator, ministro Alexandre de Moraes, votou para que a LC 190/22 respeite apenas o prazo referente à disponibilização do portal do Difal, mas não as anterioridades. O ministro Dias Toffoli votou para que a lei observe o prazo do portal do Difal e a noventena. Fachin, por sua vez, concluiu que a lei complementar em questão deve observar tanto a anterioridade nonagesimal quanto a anual para começar a produzir efeitos.
O voto de Fachin sobre o Difal de ICMS
No voto apresentado nesta segunda-feira (7/11), Fachin concluiu que a relação criada com a instituição do Difal de ICMS corresponde à instituição ou ao aumento de tributo. O magistrado afirmou que a natureza jurídica do Difal de ICMS foi definida na apreciação da ADI 5469 e do RE 128019 (Tema 1093), em 2021. Leia a íntegra do voto de Edson Fachin sobre o Difal.
Naquele julgamento, o STF concluiu que a Emenda Complementar 87/15, ao instituir o Difal, criou uma nova relação jurídico-tributária. Além disso, o Supremo decidiu que o tributo não poderia ser cobrado na ausência de lei complementar regulamentadora, o que foi realizado por meio da LC 190/22. Com o novo regramento do Difal, concluiu Fachin, foi criada uma obrigação tributária correspondente à “instituição e/ou aumento de tributo”.
Além disso, Fachin reconheceu a constitucionalidade do artigo 3ª da LC 190/22, que faz referência expressa ao artigo 150, inciso III, alínea c, da Constituição. Esse dispositivo constitucional prevê o respeito à anterioridade nonagesimal e também define que deve ser observado o disposto na alínea b. Esta, por sua vez, trata da anterioridade anual. Para o magistrado, esse dispositivo implica a observância das duas anterioridades.
Entenda a discussão sobre o Difal do ICMS
O Difal de ICMS discutido nas ações é cobrado em operações envolvendo mercadoria destinada a consumidor final não contribuinte do imposto em outro estado. Nessa modalidade de cobrança, a exemplo do que ocorre no comércio eletrônico, o fornecedor do bem ou serviço é responsável por recolher todo o imposto e repassar ao estado do consumidor final o Difal de ICMS – isto é, a diferença entre a alíquota interna do estado de origem e a alíquota interestadual.
A possibilidade de se cobrar esse diferencial foi introduzida na Constituição pela Emenda Constitucional (EC) 87/15 e depois regulamentada pelo Convênio Confaz 93/15. Em 2021, no entanto, o STF declarou inconstitucionais cláusulas desse convênio e decidiu que, a partir de 1º de janeiro de 2022, o tema deveria estar regulamentado por meio de lei complementar, o que foi realizado por meio da LC 190/22.
O problema é que a lei complementar só foi publicada em 5 de janeiro de 2022. Com isso, desde a sua edição, começou o debate sobre o início dos efeitos da norma, se em 2022 ou em 2023, diante dos princípios constitucionais das anterioridades nonagesimal e anual.
Pela anterioridade nonagesimal, é vedado aos estados cobrar tributos antes de decorridos 90 dias da data de publicação da lei que os instituiu ou aumentou. Pela anterioridade anual, essa cobrança não pode ser realizada no mesmo exercício financeiro da publicação da lei que institui ou aumenta os tributos.
Votos de Moraes e Toffoli
Em setembro, o relator, ministro Alexandre de Moraes, concluiu em seu voto que o Difal de ICMS poderia ser cobrado regularmente em 2022. Para o ministro, a LC 190/22 não institui ou aumenta tributo e, portanto, não precisa respeitar as anterioridades nonagesimal e geral (anual). Na esteira desse entendimento, Moraes considerou ainda inconstitucional a parte final do artigo 3ª da LC 190/22 que definia expressamente a observância da noventena.
Na ocasião, o julgamento foi suspenso por um pedido de vista de Toffoli. Na última sexta-feira (4/11), com a retomada do caso, Toffoli apresentou voto divergente apenas quanto ao último ponto, por considerar legítima a opção realizada pelo legislador e, portanto, constitucional o artigo 3ª da LC 190/22. Ao fazer referência a esse dispositivo, porém, Toffoli entendeu que ele implica a observância apenas da anterioridade nonagesimal.
Toffoli concordou ainda com o relator para julgar constitucional o dispositivo segundo o qual as novas definições de contribuinte, local e momento do fato gerador do Difal podem produzir efeitos no primeiro dia útil ao terceiro mês subsequente ao da disponibilização do portal do Difal. Trata-se do artigo 24-A, parágrafo quarto, da Lei Kandir (LC 87/96), incluído pela LC 190/2022.
Hoje, Fachin divergiu de ambos, ao concluir não apenas que o regramento do Difal de ICMS corresponde a uma nova obrigação tributária e, portanto, à instituição ou majoração do tributo, mas também que o artigo 3º da LC 190/22 implica o respeito à noventena e à anterioridade anual.
Para o advogado Saul Tourinho Leal, sócio do escritório Ayres Britto e representante da Abimaq na ADI 7.066, o voto do ministro Edson Fachin reconhece direitos fundamentais dos contribuintes. “O voto abraça a melhor opção exegética [interpretativa], aquela que vitaliza os direitos fundamentais dos contribuintes, reconhecendo que não há como conferir, no ICMS, apenas a anterioridade nonagesimal, pois o que a Constituição assegura é a de exercício”, afirma.
Prazo para apresentação dos votos
O prazo para apresentação de votos em plenário virtual vai até as 23h59 de sexta-feira (11/11). Até lá algum ministro pode pedir vista ou destaque. Neste último caso, o julgamento seria levado ao plenário físico, e a contagem de votos, reiniciada.
CRISTIANE BONFANTI – Repórter do JOTA em Brasília. Cobre a área de tributos. Passou pelas redações do Correio Braziliense, O Globo e Valor Econômico. Possui graduação em jornalismo pelo UniCeub, especialização em Ciência Política pela UnB e MBA em Planejamento, Orçamento e Gestão Pública pela FGV. Cursa Direito no UniCeub.
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