Por:Rosana Hessel – Correio Braziliense FONTE: CONTÁBIL
O Banco Central reforçou o alerta de que as pressões inflacionárias devem demorar para se dissipar e voltou a demonstrar preocupação com a piora das contas públicas, confirmando a expectativa de que os juros devem continuar no patamar atual por um período prolongado — ou mesmo elevados, caso seja necessário. O recado foi dado por meio da ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), na semana passada, quando a taxa básica da economia (Selic) foi mantida em 13,75% ao ano.
No documento, divulgado ontem, o comitê destacou que a inflação está espalhada, em um ambiente “desafiador”, diante de uma normalização nas cadeias de suprimento ainda “incipiente”. Ao justificar a manutenção da Selic pela segunda reunião seguida, o Copom alertou sobre os riscos fiscais em 2023, que tendem a pressionar os preços e a exigir um aperto maior da política monetária. Nesse sentido, reconheceu que “há maior sensibilidade dos mercados a desenvolvimentos que afetem os fundamentos fiscais, inclusive em países avançados”.
O Copom reforçou a cautela ao indicar que as projeções do mercado para a inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), continuam acima dos tetos da meta, tanto em 2022 quanto em 2023, de 5% e de 4,75%, respectivamente. “O Comitê enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”, acrescentou o documento.
Analistas destacaram a preocupação do BC com o desequilíbrio das contas públicas. Projeções do mercado indicam um rombo fiscal bem maior do que os R$ 63,7 bilhões previstos no Orçamento do ano que vem e que ainda precisa ser votado pelo Congresso. As estimativas variam de R$ 150 bilhões a R$ 430 bilhões.
Na avaliação de especialistas, a equipe econômica do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) precisará negociar com o Legislativo uma licença para gastar (waiver), em 2023, a fim de ganhar tempo para discutir uma nova âncora fiscal com o Congresso, pois a credibilidade do teto de gastos, criado em 2016, está no chão depois de tantas alterações feitas pelo atual governo.
“A ata mostrou uma real preocupação com a ancoragem fiscal, o que deixa no ar o fim do ciclo de juro. O Banco Central não sinaliza quando começará a reduzir a Selic. Antes, se falava, no mercado, que seria entre março e junho. Agora, não há mais essa certeza”, afirmou Julio Hegedus, economista-chefe da Mirae Asset. O afrouxamento da política monetária, segundo ele, dependerá da política fiscal do novo governo. “Tudo dependerá de como Lula vai transitar nesta seara, o que obriga o BC a ser mais cauteloso”, acrescentou Hegedus.
Escolhas
De acordo com o economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ex-diretor do BC e consultor externo da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Turismo e Serviços (CNC), o Copom anda fazendo escolhas que não são da competência dele, como se preocupar com os riscos fiscais. Contudo, ele reconheceu que isso ocorre porque quem deveria se preocupar não está fazendo os alertas claros. Por conta disso, os discursos do ministro da Economia, Paulo Guedes, de que o fiscal está “firme” e o do Copom são tão divergentes. “É óbvio que se houvesse uma boa política fiscal, isso facilitaria o trabalho do BC”, explicou.
Agora, como a Selic está muito alta, com os juros reais (descontada a inflação) caminhando para 8% ao ano, o risco de uma desaceleração forte em 2023 é crescente, até mesmo de recessão, de acordo com Gomes. “O BC tem que ser realista. O juro real está muito alto e, aparentemente, o BC é independente. Ele não precisa falar muito. Tem que falar menos, para não errar”, orientou o economista, que aposta na redução da Selic a partir de março ou de abril de 2023, devido ao enfraquecimento da atividade.
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