FONTE: EXAME.

Em entrevista à Bússola, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria Química, fala sobre a revogação do REIQ

Ciro Marino, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) (Divulgação/Abiquim)

Ciro Marino, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) (Divulgação/Abiquim)Por Bússola

A partir desta sexta-feira, 1º, a indústria química passará a pagar ainda mais impostos em um momento de crise mundial, que pressiona os preços das matérias-primas, óleo e gás, utilizados por ela. É que passa a vigorar a Medida Provisória 1.095, publicada no apagar das luzes de 2021, e que extingue o Regime Especial da Indústria Química (REIQ). A medida foi criada em 2013 com o objetivo de equilibrar a competitividade do setor no Brasil, reduzindo a considerável disparidade de custos entre a indústria nacional e a internacional.

Com a retirada do Regime, as previsões são de que o setor químico brasileiro, que é o sexto maior do mundo, tenha uma forte queda econômica, com impacto de R$ 5,5 bilhões no PIB brasileiro, pelos dados da FGV Projetos 2021. Ao se somar a essa perda de arrecadação o impacto devido ao efeito renda, a perda total de arrecadação anual seria de R$ 3,2 bilhões. A queda de produção vai levar a um menor faturamento, logo, haverá queda de arrecadação mesmo com aumento de Pis/Cofins. A previsão é de R$ 1,7 bilhão em impostos.

Bússola: Qual a posição da Abiquim diante da extinção do Regime Especial da Indústria Química (REIQ)?

Ciro Marino: Acreditamos que este não é o momento para a elevação de tributos, principalmente para um setor tão importante para a economia do país. A crise mundial pressiona os preços das matérias-primas, óleo e gás, utilizados por ela. O mais adequado seria rever a carga tributária de Pis/Cofins sobre todos os derivados de óleo e gás para baixo, o que poderia ser feito sem redução de arrecadação, como, corretamente, entendeu o governo no caso do IPI.

O aumento que agora se produz vai em sentido contrário a todas as reações que estão sendo produzidas no mundo, sobretudo no mercado de óleo, gás e derivados em função da guerra e da pandemia.

A justificativa do Governo é de que o “benefício fiscal” já perdurou tempo suficiente para a efetivação de seus objetivos de fomento à atividade econômica contemplada. Um equívoco que preciso frisar: o REIQ não é um benefício. A medida foi tomada em 2013 como forma de reduzir as assimetrias tributárias praticadas e reequilibrar a balança desfavorável brasileira em relação ao mercado internacional.

Nos países em que a indústria química é potente, se observa um planejamento de Estado com programas similares ao REIQ. É um setor intensivo em investimentos e que requer segurança jurídica e uma clareza quanto ao longo prazo para operar com eficiência.

E apesar de pensado para perdurar até 2025 no Brasil, o REIQ já é visto como o principal alavancador do setor dos últimos anos, mesmo diante de um cenário de crise endêmica e econômica. Conforme já mencionado, é uma estratégia utilizada em diversos países e que garante não só uma tributação mais baixa, como também estímulo setorial com impacto nas demais indústrias. A exemplo dos Estados Unidos, que assegura incentivo muitas vezes maior que o brasileiro.

Bússola: Ainda há tempo para que o governo reveja sua decisão?

Ciro Marino: Com toda certeza. Há ainda mais motivos para isso, principalmente depois dos efeitos da guerra entre Rússia e Ucrânia sobre o mercado de produtos, como os químicos, derivados de óleo e gás. Precisamos evitar que sofram o setor produtivo e os consumidores brasileiros. O fim do REIQ representa o risco da desaceleração da indústria química — o 3º setor que mais contribui para o Produto Interno Bruto (PIB) do País e consequentemente para a arrecadação de impostos que financiam políticas públicas e sociais.

Mesmo reconhecendo o segmento como essencial pelo governo federal, a indústria química do Brasil se encontra mais uma vez diante de um cenário de insegurança jurídica com grandes efeitos sobre as diversas cadeias produtivas e investimentos. Trata-se de um retrocesso à Lei nº 14.183, sancionada sem vetos em 14 de julho de 2021, após intenso processo de debates que envolveu Congresso Nacional, Poder Executivo, setor produtivo e trabalhadores, e estabeleceu a redução gradual do Regime pelo período de quatro anos.

Bússola: Quais os impactos do fim do REIQ para a economia?

Ciro Marino: As movimentações do Estado em busca de arrecadação também precisam estar alinhadas aos diferentes setores econômicos do país. Com a retirada do Regime, as previsões são que o setor químico brasileiro, que é o sexto maior do mundo, tenha uma forte queda econômica, com impacto de R$ 5,5 bilhões no PIB brasileiro, pelos dados da FGV Projetos 2021. Ao se somar a essa perda de arrecadação o impacto devido ao efeito renda, a perda total de arrecadação anual seria de R$ 3,2 bilhões.

Mais grave ainda, além dos pontos já mencionados, a queda dos ganhos do setor poderá impactar diretamente a vida de 85 mil trabalhadores em um momento em que o principal objetivo do país é manter e aumentar empregos.

Se a MP não for revertida, o REIQ reduzirá a competitividade da indústria química brasileira, e contribuirá para a instabilidade jurídica, desafiando a imagem atual do país.

A instabilidade econômica também é uma das consequências dessa medida do governo federal. Atualmente, a indústria química já opera com apenas 72% da capacidade instalada no país, enquanto a participação dos produtos importados no mercado interno já é de 46%.

Bússola: Sobre instabilidade econômica, qual a relação da crise mundial com fim do REIQ para o mercado brasileiro?

Ciro Marino: Os fatores externos também precisam ser avaliados para uma mudança no setor que é tão importante para a economia nacional. No cenário atual de crise por conta da guerra na Ucrânia, o preço do barril de petróleo no mercado internacional tem sido pressionado, já que a Rússia é um importante produtor da commodity.

A alta do insumo impacta diretamente a indústria química, responsável por fornecer produtos para indústria automobilísticas, fábricas de calçados e construção civil, indústria têxtil, farmacêutica, por exemplo. Do petróleo se retira a nafta petroquímica, matéria-prima fundamental para a indústria. A tonelada do produto custa, em média, nove vezes o valor do barril do petróleo e chegou a US$ 772, alta de 56% em um ano.

Além disso, essa crise tornou mais clara ainda a importância de colocar em primeiro lugar a segurança de que não existirão interrupções nas cadeias de suprimentos de produtos essenciais para o funcionamento da economia e o atendimento da população brasileira.

A alta dos preços internacionais das commodities agrícolas, minerais e energéticas resultante do conflito produz pressão adicional sobre a inflação mundial e a brasileira, ambas já afetadas pela pandemia. Isso poderá acarretar altas nas taxas de juros internacionais e no país, com efeitos negativos para a economia brasileira.

O impacto da alta dos preços virá diretamente em itens vastamente utilizados pela população: embalagens de arroz, feijão, carne, água, sucos, escovas de dentes, xampu, entre outros.

O caso da crise na oferta de fertilizantes é a prova mais recente disso, assim como a ausência de produção de insumos farmacêuticos ativos (IFA) para vacinas durante o pico da crise pandêmica da covid-19, são capítulos contemporâneos.

Sem falar na produção de máscaras, álcool em gel e outros utensílios de enfrentamento da pandemia. Elevar a carga tributária do setor agora é agravar ainda mais esse cenário. Enquanto o mundo todo fortalece seus setores estratégicos, principalmente o químico que está na base das demais indústrias, o Brasil não deveria tomar a direção contrária.

Categorias: SINFACOPE

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