Recém-sancionada Lei 14.311/2022 levanta dúvidas sobre o tema
Segundo a redação original da Lei 14.151/2021, todas as gestantes deveriam estar afastadas do trabalho presencial, permanecendo à disposição do empregador para desempenhar suas funções em home office.
No entanto, muitos empregadores se sentiram onerados com a referida medida, especialmente em relação às trabalhadoras que, em razão da natureza de sua função, não podiam exercer o seu trabalho à distância.
Alguns empregadores conseguiram, nessa situação, transferir para a Previdência Social o ônus de pagar os salários das trabalhadoras gestantes, por meio de ação judicial. De todo modo, a maior parte das empresas seguiu pagando os salários das trabalhadoras gestantes, mantendo-as em trabalho remoto.
A redação até então vigente da Lei 14.151/2021 não fazia qualquer ressalva às gestantes imunizadas. Assim, mesmo as trabalhadoras que já tivessem completado o ciclo de imunização da Covid-19 precisavam permanecer em trabalho remoto.
O PL 2058/2021 alterou a redação da lei de afastamento da gestante para determinar o seu retorno quando a trabalhadora tivesse completado o ciclo de imunização, de acordo com os critérios definidos pelo Ministério da Saúde e pelo Plano Nacional de Imunizações (PNI).
A partir de sua sanção como Lei 14.311/2022, as gestantes que tiverem optado por não se submeter à vacinação deverão assinar um termo de livre responsabilidade e consentimento para retornar ao trabalho.
As gestantes que não tiverem completado a vacinação em razão do calendário de disponibilização das vacinas para o seu quadro e idade permanecerão em trabalho remoto. Nessa hipótese, o empregador poderá alterar as atribuições da trabalhadora, como forma de compatibilizar o seu trabalho com o labor de forma remota, desde que compatível com a sua qualificação e garantida a ausência de redução salarial. Essa também é uma novidade, pois a redação anterior nada dizia a respeito, embora muitas empresas já estivessem adotando essa medida na prática.
Segundo a redação que seguiu à sanção, se ainda assim fosse inviável alocar essa gestante em algum trabalho que pudesse ser exercido de forma remota, a sua gestação seria considerada gravidez de risco até que a gestante pudesse completar o ciclo de imunização. Nessa hipótese, a gestante receberia o salário-maternidade, em substituição à sua remuneração, enquanto perdurar o afastamento.
Para o INSS, essa hipótese seria considerada como auxílio-maternidade por gravidez de risco, já prevista na CLT para as gestantes que trabalham em ambiente insalubre e não podem ser alocadas em um trabalho sem contato com ambiente insalubre, por força do disposto no artigo 394-A da CLT. O referido dispositivo legal também se aplica às lactantes em idêntica situação.
No entanto, o presidente da República vetou esse trecho do PL 2058/2021, permitindo que recaia sobre o empregador o ônus de pagar o salário da gestante em tais circunstâncias.
Assim, ainda que não seja possível alocar a gestante em uma função que possa ser desempenhada de casa, o empregador permanecerá pagando os salários da empregada até que a gestante complete o ciclo de imunização.
O trecho da lei foi vetado sob o fundamento de que sua aprovação “colocaria em risco a sustentabilidade da Previdência Social” e que não haveria interesse público para sua aprovação.
No entanto, a referida dimensão atribuída ao impacto que essa medida poderia ocasionar à Previdência Social gera surpresa, uma vez que a grande maioria das gestantes já está com o seu ciclo de imunização completo. Em termos percentuais poucas são as gestantes que se encontram em tal situação.
Há ainda dúvida quanto às gestantes que haviam optado por não se vacinar, mas que resolveram iniciar o ciclo de imunização pouco antes da sanção da lei. Alguns empregadores já questionaram se seria possível que essa gestante retornasse imediatamente ao ambiente presencial, apresentando o termo de responsabilidade.
A lei não fez qualquer distinção. Se a gestante iniciou recentemente ou há meses o ciclo de imunização e este ainda não se encerrou, é necessário que ela seja mantida em home office para desempenhar a sua atividade ou que permaneça à disposição do empregador nesse período, aguardando ordens para auxiliar a sua equipe de trabalho no que for possível, considerando a sua qualificação. Afinal, a gestante demonstrou ter o intuito de se vacinar nessas circunstâncias.
Além disso, também foi vetado o trecho do PL 2058/21 que determinava o pagamento de auxílio-maternidade à gestante que sofresse aborto.
Quanto a esse aspecto, convém destacar que a gestante que sofre perda gestacional tem direito a se afastar do trabalho por duas semanas, sem prejuízo de sua remuneração.
Além disso, se a perda gestacional for classificada pela equipe médica que a atendeu como óbito fetal, tendo sido realizado um parto para remoção do bebê já sem vida, ela terá direito ao auxílio-maternidade integral, a ser suportado pela Previdência Social.
Casos em que a gestação já está mais avançada costumam suscitar muitas dúvidas quanto à sua classificação. Nem mesmo dentro da classe médica os possíveis critérios que podem ser adotados para classificar o evento são de amplo conhecimento.
De acordo com parecer do Cremesp (Cons 197.359/19), existem três critérios que podem ser adotados alternativamente para nortear a classificação como óbito fetal: 1) peso igual ou superior a 500 gramas; 2) comprimento vértice craniano/nádega igual ou superior a 15 cm; 3) idade gestacional igual ou superior a 20 semanas.
O que o projeto de lei pretendia era estabelecer responsabilidade exclusiva da Previdência Social para todos esses casos.
É importante lembrar que as gestantes ainda são grupo de risco. Infelizmente, as notícias de gestantes e nascituros que morrem por complicações da Covid-19 ou que apresentam quadros graves e sequelas não deixaram de existir. Pesquisas indicam forte relação entre a infecção em gestantes e prematuridade e outros eventos graves em gestantes e bebês.
Logo, os empregadores devem ser muito cautelosos e criteriosos ao solicitar esse retorno presencial. Não só é possível, como ainda é recomendável manter as gestantes em trabalho remoto. É necessário contar com a sensibilidade do empregador nesse sentido.
Para aqueles casos de incompatibilidade entre a função desempenhada pela gestante e o trabalho remoto, a empresa deverá adotar outras medidas para redução de risco de contágio, como afastá-la do contato com o público; alocá-la em ambientes bem ventilados; estabelecer horários alternativos, nos quais o transporte público não esteja tão movimentado; reduzir o número de pessoas que tenham contato direto com ela; e fiscalizar, rigorosamente, o uso de máscaras.
Ainda que muitos municípios brasileiros tenham liberado o uso de máscara em ambientes abertos e fechados, o empregador detém o poder diretivo e, assim como pode exigir o uso de uniforme ou EPIs de seus empregados, pode também exigir o uso de máscaras dentro do ambiente de trabalho. Para quem convive com pessoas que estão inseridas nos grupos de risco como as gestantes, essa exigência é fundamental para resguardar a saúde daquela gestante.
Ademais, caso a gestante retorne ao trabalho presencial e tenha complicações de saúde decorrentes da contaminação pelo vírus SARS-CoV-2, as circunstâncias acima descritas poderão ser levadas em consideração ao se avaliar eventual responsabilização do empregador, em razão desse evento.
O PL 2058/21 não tratou da situação das gestantes com gravidez de risco. Trabalhadoras com gravidez de risco ou comorbidades devem buscar a opinião de seu obstetra para que avalie a possibilidade de retorno. Caso a recomendação médica seja não retornar ao ambiente presencial, a gestante deverá solicitar a permanência em home office, mediante a apresentação de um atestado/relatório médico indicando as condições clínicas que sugerem a manutenção do trabalho remoto.
Caberá à empresa acolher a recomendação médica apresentada ou submeter o atestado à análise do médico do trabalho, para que acolha ou afaste o parecer médico apresentado. O afastamento por parte do médico do trabalho dependerá de apresentação de um relatório médico fundamentado, refutando todas as questões trazidas no atestado apresentado pela trabalhadora.
Segundo a atual redação da Lei 14.151/2021, assim que decretado o fim do estado de emergência de saúde pública, todas as gestantes poderão retornar ao ambiente de trabalho presencial.
Ainda são muitos os aspectos que suscitam dúvidas em relação ao retorno das gestantes ao ambiente presencial. Sem dúvida, essa foi uma medida que trouxe apreensão às gestantes e, em contrapartida, certo alívio a algumas empresas que estavam com gestantes afastadas sem condições de trabalhar de forma remota.
É sempre importante destacar que tal retorno não deve acontecer de forma irrestrita; que os riscos para as gestantes e bebês ainda são relevantes e devem ser levados em consideração; e que a possibilidade de responsabilização do empregador em relação a qualquer desdobramento que possa se dar quanto à decisão de retorno ao ambiente de trabalho presencial não deixou de existir apenas por ter a lei autorizado a adoção dessa medida.
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