FONTE: Revista Algomais
Os impactos do tarifaço provocado por Donald Trump são analisados pelo vice-presidente do Instituto de Pesquisas Estratégicas em Relações Internacionais e Diplomacia, João Canto. Ele avalia as oportunidades e ameaças que a crise apresenta a países como China e Brasil, aponta os setores mais afetados em Pernambuco e a necessidade de o Estado encontrar novos parceiros comerciais.
Ao analisar a intrincada guerra tarifária desencadeada pelo Governo Donald Trump, João Canto, vice-presidente do Iperid (Instituto de Pesquisas Estratégicas em Relações Internacionais e Diplomacia), aponta para a perspectiva de o Brasil ser considerado como um destino interessante para algumas cadeias produtivas. Entretanto, caso a crise comercial se intensifique, o País pode ser prejudicado, segundo Canto, porque o comércio mundial perderá dinamismo, o que afetaria a demanda por commodities brasileiras. “A balança comercial brasileira sofreria alto impacto pois a China é o maior parceiro do Brasil; haveria fuga de dólar e desvalorização do real; aumento do custo de produção de muitos setores industriais brasileiros; entrada massiva de produtos chineses mais baratos no País; maior dificuldade para a indústria brasileira competir”, adverte o vice-presidente do Iperid.


Na verdade, nesse xadrez de aumento tarifário, é difícil saber quem perde e quem ganha. Profissional de Comércio Internacional com mais de 15 anos de experiência, Canto afirma que a China aposta num jogo de paciência. “Quanto mais os EUA intensificam a retórica protecionista, mais se isolam de aliados e perdem competitividade global, abrindo espaço para Pequim se apresentar como alternativa estável e racional”. Mas salienta que a guerra comercial traz impactos para as duas maiores economias do mundo, que são as que mais importam e exportam. “O custo de conversão para empresas exportadoras chinesas e importadoras americanas é alto, e não há muitas saídas a curtíssimo prazo: ou absorvem o custo da tarifação (reduzindo rentabilidade), ou repassarão no preço (risco de redução no consumo). Isso desencadeia desaceleração econômica e pressão sobre outros parceiros econômicos das duas potências”.
De qualquer forma, para o analista, a alternativa para o Brasil e Pernambuco é buscar novos mercados exportadores para mitigar os impactos tarifários. E acrescenta que exportadores pernambucanos têm ainda a possibilidade de se voltar para o mercado doméstico.

Qual sua análise sobre o enfrentamento da China aos sucessivos anúncios de aumento de tarifas feitos por Trump? Especialistas afirmam que o Gigante Asiático já se preparava para esta situação e tem investido no seu mercado interno para não ficar à mercê das exportações.
A China tem adotado uma estratégia cuidadosamente calibrada que mescla firmeza diplomática, resiliência e planejamento de longo prazo, e tem respondido aos aumentos tarifários de forma equivalente ou até mais rigorosa, como ocorreu recentemente com a elevação de taxas para produtos norte-americanos de 84% para 125%. É um recado de que Pequim não cederá à pressão, nem aceitará acordos desvantajosos, preservando sua imagem tanto interna, quanto externa.
A China vem diversificando suas cadeias de suprimentos, incentiva a inovação tecnológica, para semicondutores, IA, entre outros, como forma de independência estratégica, e vem investindo no consumo interno para depender cada vez menos de exportações. Uma diretriz clara desde o plano “dupla circulação” anunciado por Xi Jinping. Entretanto, ainda que a China tenha poder de reação, a guerra comercial com os EUA traz impactos para os dois lados, pois são as duas economias que mais importam e exportam, sempre estão no topo e dependem uma da outra.
A função de pivotar grandes cadeias de suprimentos estabelecidas para países intensivos em comércio internacional, como China e EUA, tem um custo alto. O custo de conversão (ou também de não fazer nada) para empresas exportadoras chinesas e importadoras americanas é alto, e não há muitas saídas a curtíssimo prazo: ou absorvem o custo da tarifação (reduzindo rentabilidade), ou repassarão no preço (risco de redução no consumo). Isso desencadeia desaceleração econômica e pressão sobre outros parceiros econômicos das duas potências.
Segundo especialistas, a China aposta num jogo de paciência: quanto mais os EUA intensificam a retórica protecionista, mais se isolam de aliados e perdem competitividade global, abrindo espaço para Pequim se apresentar como alternativa estável e racional. Isso também é importante domesticamente para a China, onde o governo precisa mostrar à população e ao próprio Partido Comunista que não se dobra às provocações estrangeiras, especialmente de um rival estratégico como os EUA.
Todo esse embate tarifário não está apenas no comércio de bens e serviços, há conexão com o tema da dívida pública americana. A China é um dos maiores detentores de títulos da dívida americana, e, há anos, exportava produtos para os EUA e reinvestia os dólares recebidos comprando títulos dessa dívida. Isso ajudava a financiar gastos do governo americano a juros baixos, a manter o dólar forte e o yuan relativamente desvalorizado, favorecendo suas exportações. Com a guerra comercial imposta, a tendência é que a China venda menos, tenha menos dólares e, portanto, compre menos títulos da dívida.
Atualmente, a dívida pública dos EUA ultrapassa US$ 34 trilhões, e o país precisa vender mais títulos para pagar juros e financiar seus programas. Se a China e outros países compradores (como Japão) se retraem economicamente, os EUA precisariam aumentar o juro da dívida para atrair outros investidores e, caso o FED (Federal Reserve, banco central norte-americano) recompre, terá efeitos inflacionários, agravando a situação.
A China, claro, evita fazer isso de forma agressiva porque também seria prejudicada. Mas o simples fato de ter esse poder é uma alavanca estratégica importante no contexto. É curioso o comportamento da China, que tem uma economia socialista de mercado, criticar e desestimular tarifas no comércio internacional e, ao mesmo tempo, o descompasso teórico ou ideológico de Washington que, nesse tema, renunciou ao liberalismo da Escola de Chicago para defender sua economia sob o protecionismo tarifário.
Quais os prejuízos da economia brasileira, especialmente o setor industrial, provocados pela guerra tarifária? Há risco de o mercado do Brasil ser invadido por produtos chineses mais baratos?
Sim. Já estamos sendo invadidos por produtos chineses há muito tempo e seriámos ainda mais. A China é uma economia em que a produção é muito maior que o consumo interno, o que a leva a ser essencialmente exportadora. Que outros países, além de EUA e da China, têm o mesmo potencial de consumo? O Brasil. Temos grande volume populacional, uma economia forte e estável, somos diplomaticamente seguros no que se refere aos conflitos bélicos, impomos baixas barreiras técnicas (em comparação à União Europeia, por exemplo), e temos um mercado com grande capacidade e avidez ao consumo, desde produtos de alta gama até os de menor valor agregado.
Nesse caso, seríamos a grande solução para a China. Entretanto, caso a guerra comercial se intensifique, o comércio mundial perderá dinamismo e possivelmente teríamos demanda por commodities brasileiras, como soja, minério e petróleo, afetadas de forma negativa; a balança comercial brasileira sofreria alto impacto, pois a China é o maior parceiro do Brasil; haveria fuga de dólar e desvalorização do real; aumento do custo de produção de muitos setores industriais brasileiros; entrada massiva de produtos chineses mais baratos no Brasil; maior dificuldade para a indústria brasileira competir, especialmente em setores como têxteis, eletroeletrônicos, autopeças, aço e químicos.
Tudo isso pressionaria o governo brasileiro a adotar medidas igualmente protecionistas com tarifas e trade remedies (medidas que protegem as indústrias domésticas de práticas comerciais injustas), gerando impactos na OMC e Mercosul. Como há uma grande interdependência das economias no atual cenário internacional, a adoção de medidas protecionistas por economias como EUA e China desencadeariam, a médio prazo, um comportamento igualmente protecionista pelas demais economias, como uma reação em cadeia em busca de equilíbrio.
Quais as chances e vantagens de o governo brasileiro fazer acordos comerciais com outros blocos e países para aliviar prejuízos causados pelas tarifas impostas pelos EUA?
É uma alternativa real e estratégica para mitigar os impactos de choques externos, passando ao largo da guerra tarifária entre EUA e China. As chances de o Brasil buscar e, efetivamente, estabelecer acordos são boas. Com o cenário internacional sendo fragmentado, a tendência é buscar novos acordos comerciais e alianças que trarão diversificação de fornecedores e mercados consumidores. Ao negociar condições preferenciais com países fora do eixo EUA-China, além de abrir grandes mercados para produtos industrializados, agrícolas e serviços brasileiros, conseguiríamos exportar com menor tarifa, atrair mais investimentos, incentivar as cadeias locais de valor.
Entretanto, Isso não é garantia de sucesso. Recentemente foi finalizada uma negociação longínqua do acordo entre Mercosul e UE, que aguarda apenas pequenas negociações regulatórias e que os tramites internos dos blocos e países sejam contemplados para início da vigência. Talvez a atual conjuntura possa acelerar esse processo. No Brasil, a própria burocracia e instabilidade política interna é um agravante ao andamento de novas negociações pois dificulta a clareza sobre os reais interesses domésticos.

A própria estrutura jurídica e política do Mercosul impede que um membro efetue acordos comerciais individualmente com outros países. Os textos de criação e do arcabouço jurídico do bloco deixam claro que as negociações comerciais externas devem ser feitas em conjunto e com consenso entre os membros porque o bloco é uma união aduaneira, com regras comuns e uma tarifa externa unificada. No início, o intuito era essencial, porém, mais recentemente, tem gerado tensões internas entre os membros, inclusive com ameaça de saída. Com essa característica, o Mercosul está engessado e atrasa oportunidades bilaterais, principalmente para o Brasil.
Quais as consequências provocadas pelas taxas de 25% sobre o aço e o alumínio brasileiros e os outros produtos tarifados em 10%?
As taxas de 25% sobre o aço e o alumínio brasileiros gerarão impactos significativos para o País, não apenas no setor siderúrgico mas, também, em termos comerciais, diplomáticos e industriais. O Brasil é um dos principais fornecedores de aço semiacabado para os EUA e as tarifas de 25% impactaram fortemente esse comércio. As exportações de aço para os EUA caíram muito após a medida recente e empresas brasileiras como Gerdau, Usiminas e CSN foram severamente afetadas. O alumínio também sofreu, embora o Brasil tivesse uma participação menor no mercado americano para esse material.
Segundo dados da Logcomex, a indústria siderúrgica brasileira é a segunda principal fornecedora de aço e alumínio importados pelos EUA. Em 2018, o Brasil exportou aproximadamente 4,1 milhões de toneladas de aço para os EUA, consolidando-se como o segundo maior fornecedor, atrás apenas do Canadá. Em 2024, as exportações caíram para US$ 3,9 bilhões (FOB), representando 61,8% das vendas totais do setor.
Em relação às exportações brasileiras de alumínio e suas obras, os EUA foram o segundo principal país comprador no ano passado, com US$ 267,1 milhões em importações, atrás apenas do Japão (US$ 387,4 milhões). As compras americanas representaram uma fatia de 16,8% do total de vendas brasileiras de alumínio para o exterior (US$ 1,6 bilhão). As tarifas afetaram toda a cadeia do aço e do alumínio, causando redução de encomendas e contratos com os EUA, menor faturamento e corte de investimentos e um possível impacto no emprego e nas operações de empresas que dependem das exportações destes insumos.
Com o mercado dos EUA se restringido, as empresas brasileiras buscam novos mercados consumidores, seja na exportação ou para o mercado doméstico. Além do aço e alumínio, os EUA impuseram tarifas sobre uma série de produtos industriais, em retaliação a outros países. Embora os produtos brasileiros não estivessem entre os principais alvos de tarifas de 10%, em setores como tecnologia, automóveis, autopeças, houve impacto indireto. Com a recente redução do comércio global, a demanda por matérias-primas brasileiras também caiu como reflexo desse aumento.
A redução das exportações para os EUA traz pressão adicional ao mercado interno, podendo levar à queda de preços e redução das margens de lucro aos produtores nacionais. Antes de a medida ser efetivada, o Brasil anunciou que adotaria reciprocidade, caso os EUA decidissem aumentar tarifas sobre produtos brasileiros. O próprio Brasil também adota medidas protecionistas para o setor de aço, com alvo principalmente na produção chinesa. Ano passado, a Câmara de Comércio Exterior elevou para 25% o imposto de importação para 11 tipos de produtos de ferro e de aço a partir de determinada cota. Abaixo do limite de importação, os produtos pagam de 10,8% a 14% para entrarem no País.
Como essas tarifas afetam as exportações pernambucanas? Quais os produtos mais afetados?
Produtos exportados para os EUA sofrerão efeito direto de 10% de sobretaxa. Em 2024, segundo o Comexstat, Pernambuco exportou US$ 205.1 milhões, aumentando em 11% o valor exportado em relação a 2023, e os principais tipos de produtos comercializados são insumos industriais elaborados (plásticos, obras de ferro, combustíveis minerais, borrachas) e somaram US$ 68,6 milhões, representando 33%.
Em seguida, bens de consumo semiduráveis e não duráveis (frutas, açúcares, pescados, vestuários, bebidas, etc), somando US$ 65,1 milhões, 32%. Em terceiro, alimentos e bebidas elaborados, destinados principalmente à indústria (açúcares de confeitaria, produtos da indústria de moagem, preparações a base de cereais, laticínios e carnes), que somaram US$ 56,7 milhões, 28%.
Em quarto, bens de consumo duráveis (embarcações, móveis, tapetes e revestimentos, pedras e pérolas), somando US$ 7,2 milhões, representando 4%. Isoladamente, os produtos mais afetados seriam açúcar (US$ 52,9 milhões, 26% da pauta de exportação de Pernambuco); frutas (US$ 36,7 milhões, 18%); plástico e suas obras (US$ 24,7 milhões, 12%).
Quais seriam as alternativas para os exportadores locais?
Assim como outros setores produtivos, com a redução de demanda aguardada em função do aumento do custo que o importador americano terá pelas novas tarifas aplicadas, os produtos pernambucanos deverão buscar novos mercados consumidores em outros países ou, até mesmo, no mercado doméstico. O Brasil possui uma economia relativamente fechada, com menor exposição direta às tarifas americanas em comparação a outros países.
Além disso, a diversificação dos mercados exportadores brasileiros pode mitigar os efeitos adversos. Alguns itens terão maior dificuldade de mudar de mercado consumidor, uma vez que são insumos mais elaborados de uma cadeia produtiva especifica e essas cadeias normalmente já estão mais consolidadas em alguns mercados. Por outro lado, itens com menor valor agregado ou que tenham mais flexibilidade de utilização podem ter maior adesão em outras cadeias produtivas ou mercados secundários.
Em meio a esse novo ciclo nos negócios internacionais, quais as perspectivas para os mercados importadores e exportadores?
O início de um novo ciclo sempre causa certa instabilidade nas cadeias de valor e no mercado financeiro. Para aqueles que exportam e importam, é um momento de cautela e análise diária de como Washington e Pequim podem impactar o seu negócio. Ao mesmo tempo, é importante acompanhar com clientes e fornecedores meios de reduzir ao máximo o impacto financeiro em função das novas tarifas nos EUA, mantendo a sobrevivência da cadeia de valor.
Outro aspecto que pode acontecer é a mudança de local de produção das cadeias produtivas. Algumas empresas, tentando mitigar impactos tarifários e absorver mais benefícios fiscais e produtivos, mudam sua produção para países fora da rota de tensões comerciais ou mais próximos geograficamente ao seu país de origem, remodelando as relações comerciais para reduzir custos na cadeia produtiva e/ou aproximar-se do mercado consumidor final.
Nesse sentido, México e Canadá podem atrair mais investimentos como alternativa à produção nos EUA, dependendo das condições do USMCA (acordo que substituiu o Nafta). O Sudeste Asiático novamente passa a ser visto como beneficiário indireto da guerra comercial EUA-China. O Brasil, pela robustez do mercado e influência regional, pode ser considerado como um destino interessante para algumas cadeias produtivas.
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