Complexidade e regime de substituição tributária do ICMS são os principais nós que a reforma precisa desatar

reforma tributária Direito público
Crédito: José Cruz/Agência Brasil

Para que a reforma tributária melhore o ambiente de negócios do país, as mudanças no complexo sistema tributário brasileiro devem dar uma atenção especial aos Microempreendedores Individuais (MEI), às microempresas e às empresas de pequeno porte, que representam 9 em cada 10 das empresas existentes no Brasil, de acordo com dados de junho da Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade do Ministério da Economia.

O setor composto pelos pequenos negócios foi, segundo o Caged, o responsável, em 2021, por 78% dos empregos formais e beneficia 86% dos brasileiros, 40% da população. Gera ainda uma renda para os empreendedores e demais trabalhadores do segmento de R$ 35 bilhões por mês. Por ano, esse montante chega a R$ 420 bilhões, segundo dados do Atlas dos Pequenos Negócios, levantamento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) lançado em julho passado.

Mas o setor, além de ser um grande gerador de emprego e renda, é uma grande fonte de impostos. Somente o Simples Nacional arrecadou, no ano de 2021, mais de R$ 128 bilhões de reais em impostos para os cofres públicos, e até junho de 2022 já arrecadou R$ 73,1 bilhões de reais, indicando um aumento de arrecadação no ano. Desde a sua criação, o Simples já arrecadou R$ 1.032 trilhão para os cofres.

Especialistas ouvidos pelo JOTA destacam que o principal caminho para melhorar a tributação dos pequenos negócios no Brasil passa por reduzir a complexidade do sistema tributário e repensar a substituição tributária do ICMS, com cuidado para não onerar desproporcionalmente o setor de serviços.

1) A complexidade exagerada do sistema tributário brasileiro

De acordo com o gerente de Políticas Públicas do Sebrae Nacional, Silas Santiago, o principal foco da reforma tributária deve ser a simplificação das regras tributárias do país.

Para além do peso da carga tributária, os pequenos negócios sofrem com obrigações acessórias exageradamente complexas, que demandam do contribuinte ainda mais tempo e recursos para estar em conformidade com o fisco. Esse gasto extra é chamado por Santiago de Custo Brasil Tributário.

“Essa simplificação independe de uma reforma tributária constitucional, que unifique tributos, e já traria enormes ganhos para todas as empresas”, afirmou. 

A União, os estados e os municípios exigem do contribuinte que se adeque a diversos modelos de nota fiscal, além das diferentes declarações tributárias. Além disso, as empresas devem apurar o imposto devido para cada unidade da federação, cálculo que muitas vezes é contestado pelo fisco e gera contencioso nas esferas administrativa e judicial.

A economista e professora do Insper, Juliana Inhasz, especialista em macroeconomia, destacou que esse tipo de custo reduz a disponibilidade de dinheiro para outras necessidades das empresas, como investimentos para aumentar a produção, sobretudo no caso dos pequenos negócios. Assim, uma reforma tributária abriria caminho para um aumento de produtividade.

Se os fiscos fornecessem as guias para pagamento dos tributos, ou ao menos as declarações pré-preenchidas para confirmação dos contribuintes, os pequenos negócios não precisariam gastar tanto com contadores e tributaristas. Nesse sentido, para Inhasz, a complexidade do sistema tributário funciona ainda como um desincentivo à formalização e, consequentemente, diminui a arrecadação dos entes federativos.

“As empresas sabem que o custo de operação é extremamente alto para estar do lado formal da economia, então elas acabam de alguma forma abrindo mão disso”, avaliou.

“Com uma simplificação teríamos provavelmente uma redução no número de informais, uma arrecadação maior e uma maneira bem mais clara de se enxergar e compreender esse sistema tributário”, concluiu.

Como resolver?

Para resolver esse problema, o Sebrae participou ativamente das discussões e contribuiu para a construção dos Projetos De Lei Complementar (PLP) 145/2021 e 178/2021. Como as propostas não alteram a Constituição, o Sebrae avalia que há condições de serem aprovados ainda em 2022.

O PLP 145/2021 cria o Sistema Eletrônico de Apuração Fiscal – um sistema unificado para que o próprio fisco calcule o tributo devido pelo contribuinte e simplifique o recolhimento de tributos.

“Hoje, com a nota fiscal eletrônica, o fisco tem todos os elementos para fazer o cálculo dos tributos, mesmo que seja na forma de uma declaração pré-preenchida, como a Receita Federal vem fazendo com o imposto de renda das pessoas físicas”, afirmou o gerente de Políticas Públicas do Sebrae Nacional, Silas Santiago.

Os estados têm condições imediatas de efetuar os cálculos do ICMS e os municípios do ISS. A Receita Federal precisaria passar a receber os dados das notas fiscais de serviços dos municípios, bem como da área do varejo dos estados.

As declarações pré-preenchidas teriam dois grandes ganhos: diminuição de tempo para cumprir com as obrigações tributárias, permitindo que o empreendedor dedique mais atenção para seu negócio, e diminuição dos erros de preenchimento e da litigiosidade, reduzindo o contencioso tributário.

Já o PLP 178/2021 delimita os processos relacionados às obrigações tributárias, com vistas à padronização da legislação e dos sistemas fiscais. Entre os benefícios podemos citar a unificação de diferentes cadastros fiscais existentes no país e a instituição de uma nota fiscal eletrônica para ser usada em todo o Brasil. Para tanto, o projeto cria um comitê gestor a fim de que todos se sentem à mesa – União, estados e municípios – para simplificar obrigações acessórias e implementar as ações facilitadoras definidas na proposição.

Nesse sentido, independentemente da aprovação dos PLP, o Sebrae trabalha para criar uma nota fiscal unificada para o varejo em parceria com o Comitê Nacional de Política Fazendária (Confaz) – que reúne secretários estaduais de Fazenda.

No âmbito dos municípios, a nota fiscal nacional eletrônica de serviços (NFS-e) foi criada com apoio do Sebrae, realizada em uma parceria entre a Receita Federal do Brasil (RFB), a Frente Nacional dos Prefeitos (FNP), a Confederação Nacional de Municípios (CNM) e a Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf).

Nos termos da Resolução CGSN nº 169, de 27 de julho de 2022, para o MEI, a NFS-e Nacional terá validade em todo o território nacional a partir de janeiro de 2023. Para as demais empresas dependerá de adesão ao sistema pelos municípios. 

2) Substituição tributária do ICMS

O principal problema das micro e pequenas empresas optantes pelo Simples Nacional é o regime de substituição tributária do ICMS, segundo o gerente de Políticas Públicas do Sebrae Nacional, Silas Santiago.

A substituição tributária concentra o recolhimento do imposto no início ou no meio da cadeia produtiva. Dessa forma, exige que o contribuinte pague o ICMS antes de vender os produtos e receber as receitas do mês, com base apenas em uma projeção de vendas.

Esse adiantamento desequilibra o fluxo de caixa dos pequenos negócios. Traçando um paralelo com o IR das pessoas físicas, é como se a União cobrasse em janeiro o imposto do ano inteiro que está começando.

Santiago aponta que o adiantamento é útil para tributar indústrias com uma produção muito concentrada de produtos e uma distribuição pulverizada. Porém, o problema surgiu quando os estados aumentaram indiscriminadamente a lista de bens sujeitos ao regime.

“Hoje a gente brinca que tem de agulha a avião. O pequeno produtor de sorvete que produz para vender na rua, uma pequena fábrica de detergentes… Qualquer coisa tem substituição tributária”, afirmou.

Ao contrário da simplificação, uma mudança na substituição tributária do ICMS é mais demorada e exige mudanças legislativas mais profundas.

Como resolver?

O Sebrae propõe repensar a substituição tributária do ICMS no âmbito de uma reforma tributária mais ampla, que altere a Constituição e mude as regras estruturais do sistema tributário brasileiro. 

Como uma reforma desse nível não deve ser realizada neste ano, o Sebrae se prepara para apresentar as prioridades dos pequenos negócios a todos os candidatos à Presidência da República tanto na área tributária quanto em relação à desburocratização, à oferta de crédito e à inovação.

“Não importa quem seja o candidato vencedor, a gente vai apresentar a plataforma para todos. Proteger as micro e pequenas empresas e dar apoio vai continuar sendo a nossa prioridade”, afirmou Santiago.

O gerente adjunto de Políticas Públicas do Sebrae, Fábio Marimon, avalia que as questões caras às micro e pequenas empresas têm aderência de todo o espectro político – dos partidos de direita aos de esquerda.

“É uma causa que envolve o Brasil e o Congresso como um todo. A gente entende que quem assumir a Presidência vai ter esse olhar com muito cuidado e atenção para o segmento”, disse.

3) Carga tributária do setor de serviços

No curso de uma reforma mais ampla, é importante evitar que o setor de serviços seja desproporcionalmente onerado com alíquotas mais elevadas. 

O tributarista Andrey Biagini, sócio do Lobo & de Rizzo Advogados, destaca que historicamente o setor de serviços tem dificuldades de abater os custos com insumos da base de cálculo de tributos, como o PIS e a Cofins, já que nesse ponto a legislação tende a identificar mais claramente insumos da indústria.

“Não há previsão expressa de que mão de obra e outros custos que são claramente insumos para o setor de serviços também entrem como créditos de PIS e Cofins. Até a revenda gera direito ao crédito instantaneamente ao varejista. É uma situação anti-isonômica”, afirma.

Como resolver?

Para garantir que esse tipo de incongruência não seja repetida em uma reforma tributária mais ampla, o Senador Jorginho Mello (PL/SC), a partir de intenso diálogo e recepcionando a sugestão do Sebrae, apresentou uma emenda à PEC 110/2019 para prever que o setor de serviços tenha um tratamento especial no cálculo dos créditos de PIS e Cofins.

A emenda já foi acolhida no último relatório da PEC, apresentado neste ano pelo relator, senador Roberto Rocha (PSDB-MA). A PEC unifica tributos e cria o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS).

Biagini também destaca o modelo de créditos semelhante ao Imposto sobre Valor Agregado (IVA) europeu, que dá o direito ao abatimento a tudo que adicione valor ao longo da cadeia de produção. “Isso já cortaria a discussão que temos no Brasil, do que é o conceito de insumo”, avalia.

REDAÇÃO JOTA – Brasília

Categorias: SINFACOPE

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