Acordos recentes alinham o país a plano da OCDE de evitar transferência de lucros para países de baixa tributação

BRASÍLIA

FONTE: JOTA

brasil, acordoCrédito: Pixabay

Os tratados internacionais para evitar a dupla tributação estão ganhando um novo desenho. Os acordos mais recentes firmados pelo Brasil, com Singapura, Suíça e Emirados Árabes Unidos, trazem alterações que, segundo especialistas, alinham o país ao BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), plano da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) com apoio do G20 para evitar a transferência de lucros para países de baixa tributação. Ao JOTA, tributaristas disseram que as mudanças adequam o Brasil à cooperação fiscal internacional e aumentam a previsibilidade e segurança jurídica para investidores.

As alterações incluem a classificação dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), definidos como juros e não dividendos, além de quem tem direito aos benefícios previstos no tratado, prevendo a exclusão de empresas caso seja concluído que o principal objetivo de um arranjo negocial ou transação foi a obtenção de um benefício fiscal.

Por outro lado, outra mudança, que é a definição do que pode ser classificado como serviço técnico, não segue a Convenção Modelo da OCDE, mas a Convenção Modelo da ONU para tratados internacionais para evitar a bitributação. Segundo os especialistas, a alteração tende a diminuir o contencioso tributário no Brasil, mas não aproxima o país das regras adotadas pela OCDE, já que os países-membros do grupo não tributam os serviços técnicos.

Os três acordos foram assinados em 2018. Os tratados com os Emirados Árabes Unidos e com a Suíça foram internalizados (incorporados à legislação brasileira) em 2021, e com Singapura, em 2022, após aprovação pelo Senado e sanção pelo presidente da República, Jair Bolsonaro.

Segundo Daniel Franco Clarke, da área tributária do Mannrich e Vasconcelos, há uma tendência de revisão dos tratados pelo Brasil para adequação ao BEPS. “[O Brasil] está efetivamente renegociando [tratados] para revisar os pontos dentro desse contexto do BEPS”, afirma. Além dos acordos com Emirados Árabes, Suíça e Singapura, ele diz que o tratado com o Uruguai, assinado em 2019, mas ainda não internalizado, seguiu a mesma orientação.

Para Marcos Matsunaga, sócio do Ferraz de Camargo e Matsunaga, as atualizações têm relação com a adequação do Brasil a medidas de cooperação fiscal internacional. “O Brasil tem uma rede de tratados relativamente pequena e antiga. Podemos inserir esses últimos três dentro de uma mudança nos últimos 10, 15 anos, em que o país está tentando se inserir cada vez mais nesse movimento de cooperação entre as autoridades fiscais mundiais”.

O advogado observa que o Brasil deve promover mais alterações na rede de tratados, devido à pretensão de se tornar membro da OCDE, e, ainda, ao BEPS 2.0, nova fase de discussões do projeto BEPS. “O BEPS 2.0 tem dois pilares. O primeiro é sobre como tributar a economia digital, especialmente as big techs, e o segundo, sobre a questão do mínimo de 15%, ou seja, nenhuma empresa terá uma carga tributária sobre a renda superior a 15%”, comenta.

JCP e direito aos benefícios

Segundo Georgios Theodoros Anastassiadis, sócio da área tributária do Gaia Silva Gaede, as mudanças relacionadas ao JCP e a quem pode ser contemplado pelos benefícios do tratado buscam coibir a evasão fiscal por meio de planejamentos tributários agressivos. No caso dos JCP, segundo ele, ao deixar claro que se trata de juros, os tratados buscam evitar uma situação de double no-taxation, ou seja, que os valores escapem à tributação no Brasil e no exterior.

“O Brasil considera juros e deduz [da base de cálculo do IRPJ], mas, lá fora, se considerava dividendo e também não pagava [imposto]. A controladora que investe na subsidiária brasileira e recebe JCP poderia dar tratamento de dividendo, mas, com o tratado, deve tratar como juros também. [O outro país] está vinculado, o tratado é lei para os dois países”, observa.

Marcos Matsunaga faz avaliação semelhante. “O JCP trata do que o pessoal chama de instrumentos híbridos. Seria aquela figura em que um país trata de um jeito e outro, de outro. O Brasil trata como juros e muitos países como dividendos. Poderia levar a situações tanto de dupla não-tributação, na maioria das vezes, quanto eventualmente de dupla tributação”, diz.

No caso da definição de quem tem direito aos benefícios previstos no tratado, com possibilidade de exclusão das empresas caso se conclua que determinado arranjo ou transação têm como objetivo usufruir do benefício fiscal, Georgios Anastassiadis diz se tratar de um instrumento de compliance. “Está falando quem tem direito ao benefício para ninguém usar o tratado de maneira irregular”, comenta.

Já Daniel Clarke diz que a alteração aproxima o Brasil dos requisitos do BEPS. “É uma cláusula de limitação de benefícios. Basicamente, dá uma margem de discricionariedade para a autoridade fiscal analisar e concluir se a transação só foi feita para se beneficiar de determinado artigo do tratado. Está em conformidade com as regras mínimas do BEPS. O Brasil está se enquadrando a um ambiente de investimentos internacionais menos distorcidos”.

Serviços técnicos

Os especialistas apontam ainda que a definição do que se enquadraria na categoria de serviços técnicos, presente nos novos tratados, busca acabar com a disputa entre fisco e contribuintes sobre quais despesas seriam dedutíveis do lucro das empresas, cuja tributação é regulada no artigo 7 dos tratados internacionais. Assim, na prática, a definição é desfavorável aos contribuintes, que discutem a tributação dos serviços técnicos nos tribunais e no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

Daniel Clarke observa que a inclusão de um dispositivo específico sobre a tributação de serviços técnicos está em linha com o artigo 12-A da Convenção Modelo da ONU sobre tratados internacionais para evitar a bitributação.

Segundo o advogado, a definição incorporada aos tratados está em linha com o entendimento da Receita Federal sobre o tema. “É uma definição bastante ampla, que abrange qualquer pagamento por serviço de natureza gerencial, técnica e de consultoria. A gente não tem uma definição do que são serviços técnicos em lei. Os contribuintes sustentam que, se o tratado não fala o que é serviço técnico, ainda que haja uma equiparação [dos serviços] a royalties, só deveria haver tributação se acontecer transferência de tecnologia”, diz.

Georgios Anastassiadis, do Gaia Silva Gaede, também considera a definição ampla. “Nos [tratados] antigos havia um protocolo equiparando serviços técnicos a royalties. Os mais novos estão trazendo esse artigo 13, falando que, quando um país paga por um serviço técnico, pode-se reter no Brasil até o limite de 10% [referente ao Imposto de Renda]. A alíquota brasileira é de 15%. Praticamente todo serviço que você pagar vai cair nesse artigo 13”, diz.

MARIANA BRANCO – Repórter especializada em Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Jornalista formada pela Universidade de Brasília (UnB). Foi repórter do Correio Braziliense e da Agência Brasil, vinculada à Empresa Brasil de Comunicação (EBC), na área de economia.

Categorias: SINFACOPE

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